O sorriso de Beto

Não esperava que aquilo fosse 
acontecer. Era um dia comum, como todos os outros, onde todos os alunos saiam da aula e iam direto para a quadra de futebol. Beto carregava a pesada mochila com os livros e cadernos. Com sofreguidão se arrastou pelas beiradas da quadra à procura de um espaço onde pudesse descansar o corpo. Havia muita gente assistindo a uma partida dos meninos da sétima série contra os da oitava. Meninas e meninos jaziam empoleirados nas grades, como macacos ou bichos-preguiça, urrando e torcendo a cada movimento da bola.

Beto sentou-se, então. Estava num canto não muito privilegiado, uns caras altões passavam vez ou outra à sua frente e se tornava quase impossível ver o jogo. Não que gostasse delas – pouquíssimo se interessava por futebol -, mas o caso que aquelas partidas lhe propiciavam o contato com os amigos, que saiam de grupinho depois da aula.
Foi quando o viu ali, sem camisa, o peito nu e moreno que reluzia com o sol, a pele toda coberta de suor. Ofegava de modo rítmico e Beto se encantara com aquilo. Beto sentiu-se estranho quando viu aquele garoto passar rente a si, para cobrir um escanteio, e o ar lhe trouxera às narinas o odor do suor do menino, aquele cheiro um pouco adocicado que lhe provocou reações físicas e que fizeram Beto pôr a mochila entre as pernas, envergonhado.
O que acontecia? Beto admirava aquele menino com esmero, percebendo todos os detalhes que ali existiam naquele corpo. Ah, as pernas tão bonitas! As panturrilhas avantajadas lhe causavam furor, e pensar em tocá-las e sentir aquela penugem com certeza macia que lhe nascia com a tenra idade... Beto estremeceu. Botou a mão no peito e sentiu o coração acelerado. Suava frio e tinha certeza de que não estava doente. A boca seca era o deserto do Saara. Os movimentos de bola que aquele menino dava e todas aquelas piruetas e ziguezagues enfeitiçavam cada vez mais Beto, que se entregava numa espécie de furor, alucinógeno.
A partida acabou e, claro, que os meninos da oitava série haviam ganho. Algumas meninas atiçadas atiravam-se das grades e corriam, com os hormônios à flor da pele, em direção a quadra e ao corpo dos meninos suados. Assim como elas, Beto tinha vontade de fazer aquilo, mas sabia que não faria, nunca, em hipótese alguma!
Ao pensar nisso, sentiu-se profundamente amargurado. O peito latejava. Ergueu-se como um derrotado, apanhou sua mochila que já nem pesava tanto assim e infiltrou-se entre a aglomeração de alunos, cabisbaixo. Sentiu vontade de chorar e saiu em disparada para dentro da escola. As tias da cantina olharam-no, atônitas, e chamavam a plenos pulmões: “Beto! Beto! Vem aqui, menino, o que foi?”.
E Beto adentrou o banheiro. Chorava, descompassado. Curvou-se sobre a pia e deixava as mãos em côncavo encherem-se d’água. Ouviu a porta abrir-se, mas não deu trela. Pensou que, talvez, seria alguma das tias, ou até mesmo a diretora. Ouviu passos as suas costas. Beto lançou contra a face a água. Fez aquele ritual mais uma ou duas vezes antes de levantar a cabeça e olhar-se no espelho.
Beto viu seu rosto muito rosado, assim como seus olhos, fatigados de tanto chorar. Mas, viu também, lá atrás, uma pessoa parada. E estava sem camisa e suada e Beto tinha certeza de que... Sim, era o menino da quadra. E ele o olhava com um sorriso de canto, já quase dentro de um box, e estancou na entrada e disse a Beto:
- Tem como você me ajudar numa coisa? Vem aqui dentro.
E Beto foi, sorrindo, a chorar internamente de tanta alegria, todo tremendo. Beto foi sorrindo.

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