Já estava de
saco cheio de ficar à margem das conversas de Harry e seu acompanhante, e logo
perguntei se ambos se incomodariam caso eu fumasse um baseado. Não sei o porquê
de ter feito aquilo, sendo que não peço permissão alguma para as pessoas. Talvez
para transparecer, de minha parte, um pouco de falsa moral. O caso é que
iniciei o processo de feitura do baseado quando um trio de gays chapados e
escandalosos se aproximou e pediu um beijo a meu amigo. Vendo que ali não
arranjariam absolutamente nada, vieram até a mim com o mesmo propósito.
- Ei, você, me dá um selinho?
- Que selinho o que! Tô de boa aqui e vocês vêm me
pedir beijo? Quero não.
Frustrado, o cara que havia me proposto o beijo me
olhou com desdém de cima a baixo, parou os olhos em minhas mãos que seguravam
um punhado de maconha e disse:
- Maconha, que nojo! Essa bicha é drogada. Vamos
embora.
E então as bichas caretas me deixaram com minhas
drogas e vícios. Eu preferia à solidão a presença de pessoas inconvenientes.
Havíamos secado a primeira garrafa de vinho e a
impaciência já nos tomava conta. Ávidos por mais álcool, ficamos todos atentos
à qualquer pessoa com mochila que pudesse se parecer com um vendedor ambulante.
Demorou quase 40 minutos para um homem começar a distribuir latinhas de cerveja
quente a um grupo de lésbicas, perto de onde estávamos. Corremos até ele e
compramos duas cervejas e uma garrafa de vinho. Notei o semblante do vendedor
que se assemelhava muito à um animal arisco atento a qualquer sinal de ataque.
Sentia-se presa e não foi difícil imaginar quem seriam os predadores: os
Guardas Civis Metropolitanos. Para atrapalhar ainda mais a vida do homem eu
havia lhe dado uma nota de cinquenta reais. Ele ficou uns tantos minutos
procurando o troco pelos bolsos da calça e nos vãos de uma carteira surrada.
Nesse interim, vi de longe luzes de viatura – e não eram tiaras de diabinho –
que logo pararam a poucos metros de nós. Pude ainda ouvir o vendedor sussurrar
“Fodeu!” antes de sair em disparada com o meu troco.
Corri atrás dele, olhando para trás. Vi uma dúzia
de GCMs sair da viatura, e estavam de capacete e cassetetes em mãos, prontos
para qualquer confronto. De repente aquela única viatura pareceu se multiplicar
e mais três ou quatro carros vieram em seguida, e todos os GCMs se
transformaram numa multidão de oitenta ou mais.
No meio do caminho o vendedor achou o meu troco,
parou atrás de um banheiro químico e o estendeu com mão trêmula. Agradeci e
voltei rapidamente para onde estava. Dei-me conta de que sentia muito calor
quando passei as mãos pela testa e retirei uma generosa camada de suor.
Encontrei Harry e o menino.
Aquela aglomeração de GCMs se dissipou e cada um
deles foi para um lado, e como cães de caça com seus cassetetes em mãos saíram
por aqui e ali, se infiltrando na multidão e em rodas de amigos, olhando
raivosamente para as pessoas numa tentativa um tanto desesperada em busca de vendedores
ambulantes.
O companheiro do meu amigo se despediu: teria de ir
embora, não morava em São Paulo. Eu e Harry saímos de frente da igreja da
Consolação e partimos para a avenida São João. Centenas de pessoas passavam
pelo local, ainda anestesiados com a Parada Gay que havia oficialmente
terminado. Não duvidava que grande parte daquelas pessoas iria buscar algum
lugar para festejar uma “pós-Parada”, em algum pulgueiro GLBT do centro da
cidade. Via-se que a multidão, quase em sua totalidade, se movimentava com
algum cansaço e talvez com alguma falta de sobriedade.
Fomos comprar cigarro numa banca de jornal quando
vimos dois caras aos amassos no centro de uma roda de uns nove amigos, que
gritavam “Pegou quinze! Pegou quinze!”. Pareciam realmente todos muito
empolgados com a décima quinta pessoa que o fulano havia beijado naquele dia.
(continua)
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