Medo e Delírio na Paulista: um domingo na Parada Gay (parte final)

A fome já me corroía por dentro quando paramos em frente a um Habib’s. Harry ficou do lado de fora fumando um cigarro, enquanto eu atravessava troncos e braços e pernas para cortar caminho até o balcão de pedidos. Pedi dez esfirras de carne e dez de queijo. A vontade de fumar um cigarro surgiu e logo saí em disparada para fora do restaurante, sempre de olho no monitor que ainda mostrava o número 294 enquanto meu pedido era ainda o 300. Um travesti com asas de isopor imitando as de um anjo passou a minha frente, metendo em minha testa a sua fantasia que caía aos pedaços. Engoli uma centena de maldições e impropérios quando vi um rosto conhecido no meio de todas aquelas pessoas: Paulinho. Ele trabalhava comigo no call center e logo quando nos avistamos percebi que ele estava muito chapado. Disse que não havia fumado um único baseado na Parada Gay, e aquilo era um absurdo pra ele. Tratei de arranjar a ele um pouco da minha erva. Descaradamente, Paulinho passou a dichavar e bolar o baseado ali na frente do Habib’s mesmo, pouco se importando para os policiais que passava vez ou outra. Ali mesmo acendeu o baseado e começou a fumar.
O número 300 apareceu no monitor e uns minutos depois eu já estava segurando meu pedido tão quentinho. Localizei Harry entretido com as amigas do Paulinho. Despedi-me de todos e tomei meu rumo.
Eu chegava ao metrô São Bento quando ouvi uma voz fraca que brotou do breu da rua mal iluminada. Vi um homem sentado em frente a uma loja de roupas já fechada.
- Moço, me dá um pedaço...
Estendi a caixa de esfirras ao morador de rua. Um tanto envergonhado apanhou uma esfirra de queijo. Notei ao seu lado um homem sentado de cócoras, carregando no pescoço uma Nikon profissional.
- Pega uma de carne também, tá bem quentinha – eu disse ao morador de rua, logo depois oferecendo para o cara da câmera fotográfica que, com olhos esbugalhados, recusou educadamente as esfirras.
O término de toda Parada Gay parece ser sempre um pouco decadente. Havia gente estirada nas calçadas, revirando olhos numa espécie de coma alcóolico. Gente sentada e em pé vomitava pelos cantos e todos cansados retiravam tênis e sandálias dos pés sem pudor algum, e retomavam a caminhada, mesmo que aos tropeços.
Talvez muitos daqueles gays fossem surpreendidos em becos e ruas abandonadas por grupos de skinheads. Talvez a homofobia e a intolerância impedissem algumas daquelas pessoas de voltarem para casa naquele domingo. E se não acontecesse isso, talvez muitos deles sofreriam algum tipo de preconceito no ônibus ou no metrô de volta para casa. A Parada Gay nunca garantiu a liberdade de todos os homossexuais.
Já me disseram que o evento havia já muito perdido seu cunho político. A meu ver, a forma de protestar talvez tenha mudado. Não sei.
Uma pesquisa do Datafolha divulgou no dia seguinte uma pesquisa no qual 270 mil pessoas haviam passado pela Parada Gay. Fernando Quaresma, organizador do evento, negou a informação e alegou que havia mais de 4 milhões de pessoas. Apesar de haver essa disparidade em ambas as informações, nada muda o fato de que gente pra caralho passou pela Avenida Paulista, um minoria na sociedade careta brasileira mas que, aos muitos, parecia uma nação.





(14/06/2012)


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