Nessa madrugada de Natal eu sonhei que você tinha morrido. Na verdade, que você tinha sido assassinado. Não sei como nem porquê. Logo quando despertei, o sonho me parecia muito vivo, eu tinha todos os detalhes na cabeça e nos olhos; eu conseguia ver, assim como num filme, tudo o que havia acontecido nele. Mas, agora, eu não me lembro muito bem de tudo. Apenas alguns fragmentos desse sonho que – sim, disso tenho certeza – foi terrível.
No sonho, eu entrei na redação do
jornal que você trabalha. Pensando bem agora, não parecia uma
redação de jornal. Parecia qualquer outro lugar menos uma redação
de jornal. Havia muitas pessoas, e eu procurava em todas elas o seu
rosto. Em momento algum eu vi você sendo assassinado. Era algo que
já estava dentro de mim, como uma verdade intrínseca. Eu estava lá
naquele local, te procurando, chamando seu nome, e eu sabia que você
estava morto. Talvez estivesse procurando respostas, saber o motivo
da sua morte, saber onde ficava sua mesa, seu computador, suas
canetas, papéis e outras parafernálias de jornalista. Eu queria te
encontrar, mesmo sabendo que você estava morto.
Aí, em determinado momento do sonho,
entrou na “redação” o dono do jornal. Eu nunca vi o dono do
jornal, mas tenho certeza de que não era aquele que estava no sonho.
Era um cara doidão, com correntes de roqueiro presas a uma calça
jeans muito, mas muito ridícula. Eu tentava pronunciar o sobrenome
estrangeiro (que, na real, não tem nada de difícil nem estrangeiro.
Mas no sonho tinha) daquele filho-da-puta e ele me corrigia a todo
instante. Perguntei pra ele sobre seu paradeiro, e ele me respondeu o
que eu já sabia: “Ele morreu. Ele morreu”.
E eu não me lembro de mais nada.
Acordei angustiado, apanhei meu celular, procurei seu nome na lista
de contatos e me dei conta que não tenho o seu número. Na verdade,
nunca nos falamos, não é mesmo? Postei em meu Facebook:
Mas então me arrependi, achei muito
atrevimento de minha parte e apaguei. Mas eu queria que você
soubesse da minha angústia, pelo menos um pouquinho dela. Então
escrevi somente:
O sono, assim como a amargura, eram tão
grandes que voltei a dormir. Quando acordei outra vez, decidi
procurar o seu perfil, olhar suas fotos e saber se estava tudo bem.
Sou um tanto místico (ou esotérico?), acredito em sonhos e em seus
significados. Te mandei uma mensagem: “Mano, tá tudo bem?”. Acho
que foi o meu primeiro contato com você. Remexendo em seu perfil, vi
que você é casado – com uma mulher. E parecia muito feliz com
ela. Foi então que me arrependi – outra vez – e mandei outra
mensagem “Ops, te mandei a mensagem por engano”.
Continuo com o coração aos
frangalhos. Talvez fosse melhor eu ter morrido. Ou sumido, assim, pra
sempre, me perdido em algum sonho. Acho que eu nem queria ter
acordado. Eu odeio o Natal.
Um comentário:
Engraçado... meia noite do dia 24 uma voz que um dia já foi o motivo dos meus risos e prazeres me liga me mandando para a puta que pariu. Madrugada do dia 25, essa mesma voz me liga de novo só para falar "vai se foder".
Não é um jornalista casado como no texto, nem uma alusão a como amor, paixão, jornalismo e ilusão podem andar juntos, mas assim como no texto, ninguém está inerte a ter um Natal reverso por ilusões próprias e decepções por mais uma vez colocarmos expectativas demais em alguém.
Em redações mortas ou em ligações raivosas, sempre terá um com o coração em frangalhos na "Noite Feliz".
Excelente texto!
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