A
filha mais nova de Ló tratou de acomodar os dois anjos no melhor
cômodo do lar, trazendo-lhes os alimentos mais frescos e saborosos
que se podiam ser comidos naquelas bandas. Após se esbaldarem na
culinária local, os dois anjos se retiraram, alegando que
descansariam, pois o dia seguinte seria “de muitas emoções”.
A tarde já se transformava em noite quando a esposa de Ló e suas duas
filhas perceberam uma movimentação estranha em frente à casa. Pela
janela viram uma aglomeração de homens. Alguns deles tinham os
membros sexuais eretos e masturbavam-se com volúpia enquanto
espiavam o interior da residência. Outros vinham armados com pedaços
de pau e pedra, com o desejo e a ira tatuados nos olhos. Um deles
lançou um pedregulho que por pouco acertou a testa da esposa de Ló,
que fechou a janela e se escondeu junto das filhas atrás da porta.
Ouviu o homem gritar:
-
Traga esses dois homens para fora! Queremos fornicar!
-
Vou expelir meu sêmen na boca desses dois!
-
Quero beijar o falo dos dois forasteiros!
-
Abra a porta, mulher, e nos dê o prazer!
A
filha mais velha correu até o quarto e sacudiu os anjos, que
acordaram assustados e um tanto irritadiços. Tremia muito e pouco
conseguia falar. O segundo anjo acertou-lhe uma bofetada na face que
a fez ordenar as ideias, e então ela pôde dizer:
-
Por Deus! Os homens querem fornicar com vocês. Estão como touros
enfurecidos para penetrarem vocês dois.
Os
anjos pediram para que a moça se retirasse e os deixassem a sós. Um
profundo silêncio parecia impregnado nas quatro paredes daquele
cômodo. Eles se olhavam sem nada dizer, como se algo lhes emudecesse
a língua, como se lhe houvessem roubado todas as palavras da boca.
Após muito pensar, o primeiro anjo disse:
-
Já que o Pai irá destruir tudo isso daqui, então que aproveitemos
até o último segundo!
Os
anjos ordenaram as duas moças que deixassem os homens entrarem,
entretanto, apenas dois de cada vez. Não entendendo a ordem, mas
mesmo assim a respeitando, as meninas abriram as portas da casa e
explicaram que os “forasteiros” receberiam os sodomitas em seu
quarto, mas que se organizassem em fila única e sem aglomerações e
balbúrdia.
De
dois em dois, os homens adentravam no quarto onde os dois anjos já
haviam se libertado das vestimentas. A porta foi trancada e de lá o
único sinal de vida que saía era o som dos móveis rangendo,
sussurros libidinosos, gritinhos de prazer e urros explosivos. As
filhas e a esposa de Ló temiam que os homens do lado de fora
estourassem as portas e invadissem como búfalos a casa que já
parecia não suportar tanta gente reunida. Aguardavam com paciência
a sessão de prazeres carnais terminar para que liberassem mais um
par de sodomitas para entrar no quarto onde estavam os anjos.
A
escuridão já dominava o céu quando Ló viu, de longe, luzes
bruxuleantes que cercavam sua casa. As pernas doíam-lhe e a idade já
lhe pesava no corpo, impossibilitando-o de chegar com rapidez ao
local. Respirava ofegante enquanto pensava na tristeza de suas filhas
ao saberem que não havia localizado seus pretendentes, sendo,
portanto, já esperada a morte deles. Tentava correr, mas não
conseguia dar um passo um pouco mais rápido que de costume sem que
os ossos doessem.
Chegou
em casa com muito custo e, com ainda mais dificuldade, passou pela
multidão aglomerada em frente à porta. Lançou contra aqueles
pecadores blasfêmias e pragas, amaldiçoando cada um deles e seus membros eretos que por alguma eventualidade
resvalavam em seu corpo. Ló então deu-se conta de que queriam
fornicar com os anjos e tinha certeza de que aquilo não poderia
acontecer. Deus ficaria extremamente enraivecido e poderia mudar de
ideia sobre salvá-los da destruição de Sodoma. Ao pensar na
possibilidade de ter de virar cinzas e carvão, Deus deu forças a Ló
para que ele disparasse uma série de golpes com seu cajado contra a
cabeça daquelas pessoas pecadoras. Com a ajuda da mulher e as
filhas, que lhe puxaram pelo tronco, conseguiu ganhar espaço na
multidão e entrar na casa.
-
Cadê os anjos? – perguntou Ló erguendo-se do chão com o auxílio
de seu cajado – Puta que pariu, mulher, não podem fornicar com os
anjos, não podemos deixar que isso aconteça!
-
Mas já estão fornicando, papai – respondeu a filha mais velha,
apontando com os olhos o quarto dos prazeres.
-
Idiotas! Não sabem que Deus vai nos matar? Não sabem que se Deus
ficar sabendo que deixamos os tarados penetrarem os anjos, Ele irá
nos queimar vivos junto com essa cidade de merda? Vocês não...
E
então Ló foi interrompido por um barulho no quarto. Viu a porta
abrir-se e de lá sair um homem barbudo, com poucas vestes, o corpo
brilhoso de suor e um sorriso triunfante na face cansada. Nu, um dos
anjos cobriu-se com um pano e foi ter com Ló:
-
Amado Ló, nós não aguentamos mais fornicar. São muitos lá fora,
muitos que querem nossos corpos, mas nossos corpos, querido Ló,
sobrinho de Abraão, já estão muito cansados e não aguentariam nem
mais uma única investida.
-
O que posso fazer por vocês?
-
Entregue suas filhas em nosso lugar – respondeu o outro anjo,
também nu e recém-saído do quarto – Elas são jovens e possuem
mais vitalidade do que nós.
A
princípio, aquela ideia do anjo pareceu a Ló uma loucura, mas sabia
que, por mais divinos que fossem, aqueles dois não suportariam serem
penetrados por uma cidade inteira. Seriam precisos dias e mais dias
para satisfazer toda Sodoma. Suas filhas, na flor da idade, poderiam
acalmar os sodomitas, pelo menos por algum tempo, até que Deus
começasse a arder tudo em chamas.
Ló,
então, saiu à porta, pediu silêncio e se pôs a dizer:
-
Meus irmãos, por mais imundos que vocês sejam, desejo lhes oferecer
minhas duas filhas para que deixem em paz o corpo e a alma dos
forasteiros no qual abriguei em meu lar. Imploro para que deixem
esses dois homens em paz e se contentem com minhas filhas!
A
multidão de homens contemplava Ló e sua barba com indignação. Um
silêncio pétreo envolvia cada pessoa ali presente. Do interior da
casa, também, nem um único ruído podia ser ouvido. Toda Sodoma
parecia mergulhada em quietude, até que, como uma flor que
desabrocha, um burburinho espocou de algum lugar, e então o que era
cochicho se transformou em gritaria provocada por aqueles sodomitas
que avançaram contra Ló armas, membros e pedras. Ele teve tempo
apenas de dar um passo para trás antes de um homem segurar-lhe pelas
vestimentas e o erguer levemente do chão.
Foi
então que uma luz extremamente branca tomou conta de cada espaço,
de cada pessoa e casa, de cada animal de rebanho ou vegetação. Uma
luz branca que doía e ardia quando alguém tentava abrir os olhos,
uma luz morna, mas que incomodava a pele e a fazia suar. Essa luz
diminuiu de força e tamanho e se extinguiu da mesma maneira como
brotara do invisível. Quando Ló abriu os olhos viu todos aqueles
homens cambaleando como bêbados, todos cegos, tateando uns aos outros como se
procurassem caminho de volta para casa, e um desespero tomava conta
de cada um deles. Ló olhou para trás e então viu que aquela luz
havia emanado da palma das mãos dos anjos, que vinham em sua
direção, agora trajados em túnicas celestiais.
-
Quer acabar com tudo isso logo de uma vez por todas – complementou
o segundo anjo – Não acordou de bom humor hoje.
-
E por isso você e toda sua família, Ló, têm de fugir conosco
agora – retrucou o primeiro, empurrando as filhas e a esposa de Ló
para fora da casa.
A
cegueira dos sodomitas auxiliava a fuga. Os anjos, Ló e sua família
puderam passar por entre a multidão agitada, que dificultava cada
passo com o tropeço que os sodomitas davam uns nos outros, com o
corpo deles sobre o chão e com os esbarrões que poderiam derrubar e
machucar qualquer um.
Já
na saída da cidade de Sodoma, um dos anjos olhou para o céu e
avistou pontos cintilantes se movimentando no negrume do céu, como
estrelas cadentes. Ganhavam tamanho conforme se aproximavam das
nuvens e tomavam forma de bolas de fogo, que despencavam aos montes
sobre toda aquela área. Os gritos de dor e cheiro de carne queimada
logo puderam ser percebidos.
- Não olhem para trás, corram pra frente, sempre pra frente e, em
hipótese alguma olhem para trás! – gritou o segundo anjo tomando
velocidade, correndo pela areia e a rasteira vegetação.
A
esposa de Ló, não se aguentando em curiosidade, torceu, então, o
pescoço, virou-se para trás e depois nada mais pôde ver. Seu corpo
transformou-se numa estátua de sal que logo foi destruída por uma
rajada de vento.
Caminharam
por aquelas terras arenosas durante toda uma madrugada. As labaredas
de fogo que jorravam do céu ficaram cada vez mais para trás até
sumirem na escuridão da noite. Os anjos, por fim, deixaram Ló e
suas duas filhas ao pé de uma colina, aconselhando-o a começar uma
nova vida naquele lugar junto a sua família. Um buraco formou-se
entre as nuvens e uma luz foi lançada sobre os anjos. Tristonhos,
voltaram aos Céus a pedido de Deus, tendo a certeza de que nunca mais
teriam a oportunidade de matar as saudades de Sodoma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário