O
vento forte fazia com que os lenços dançassem como se tivessem vida
própria. Esses mesmos lenços protegiam os dois anjos da areia
vermelha que se espalhava pelo ar. Um deles estancou no meio do
caminho, estendeu o braço e, com dedo em riste, apontou para uma
morada há mais ou menos uns duzentos metros de distância. O outro
anjo balançou a cabeça positivamente e retomou os passos.
Uma
jovem de cabelos negríssimos se curvava sobre um poço. Os anjos a
avistaram e logo deduziram que fosse uma das filhas de Ló. Quando
notou a presença dos dois, a jovem trouxe para perto de si o jarro
de barro, derramando sobre o corpo um pouco da água apanhada. Como
um animal arisco, atravessou rapidamente o poço e adentrou sua
residência.
Não
demorou muito para que um homem aparecesse no limiar da porta,
atônito. Enquanto via os dois anjos se aproximarem, afagava
distraidamente os pelos de sua farta barba grisalha. Às suas costas,
a jovem do poço, acompanhada da irmã menor, secava a roupa molhada.
-
Deus seja louvado! – murmurou Ló quando se deu conta de que
aqueles dois forasteiros eram anjos enviados pelo Senhor.
Não
tardou em Ló e sua família darem passagem aos anjos, deixando-os
adentrarem em sua moradia. Ele ordenou que as filhas trouxessem a
água mais fresca, as frutas mais carnudas e o cabrito de carne mais
suculenta para oferecer aos anjos. Apesar disso, os enviados do
Senhor recusaram educadamente os presentes, alegando terem assuntos
devera importantes a tratar com ele.
-
Ló, o Pai destruirá esta cidade – disse o primeiro anjo.
-
Vai derramar sobre Sodoma fogo do céu – completou o segundo.
A
esposa de Ló, que havia acabado de chegar e encostava-se à parede
para melhor ouvir o que os anjos diziam, agarrou-se às duas filhas e
se pôs a tremer. A mulher fitou seu esposo no fundo dos olhos, como
se quisesse arrancar deles alguma resposta, e então se entregou aos
soluços de desespero.
-
Deus disse que não há dez pessoas por aqui que valha a pena salvar
– continuou o segundo anjo em tom solene - Achou melhor destruir
tudo e acabar de vez com a sem-vergonhice dos sodomitas.
-
Mas e nossas filhas, Ló? – questionou a esposa à beira de um
ataque dos nervos, toda trêmula e ofegante, quase sem ar de tanto
chorar.
-
Obedeço as ordens do Senhor, mas... – Ló começou a falar, mas
parou, como se montasse mentalmente a frase que ia dizer, escolhendo
meticulosamente cada palavra - As minhas duas filhas estão
prometidas. São homens de bem e não praticam a pederastia! Os
únicos homens de bem que encontramos em Sodoma.
Os
anjos se entreolharam e ficaram em silêncio por um tempo.
Cochicharam entre si e logo depois o primeiro anjo respondeu:
-
Então vá avisá-los, Ló, sobrinho de Abraão, que o fim dessas
terras está próximo. O Senhor Todo Poderoso ordenou para que
salvássemos apenas você e sua família, mas como nos falou que seus
futuros genros são pessoas boas, garantimos a salvação deles
também.
Ló,
então, ergueu-se de onde estava sentado e apanhou seu cajado.
Enquanto as filhas vestiam no pai uma túnica grossa para lhe
proteger do frio que crescia conforme a noite vinha, a esposa andava
de um lado para o outro da casa, sem saber o que fazer. O segundo
anjo ameaçou matá-la caso não parasse com aquilo, pois o deixava
muitíssimo irritado.
-
Vá logo e não demore, Ló! – exclamou o segundo anjo olhando com
fúria para a esposa ensandecida – Pouca paciência tenho para com
sua mulher, e temos prazos a cumprir. Amanhã cedo o fogo há de cair
em Sodoma. Portanto, não demore, Ló.
(continua)
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