Adeus, Sodoma, meu amor (parte 1/2)


O vento forte fazia com que os lenços dançassem como se tivessem vida própria. Esses mesmos lenços protegiam os dois anjos da areia vermelha que se espalhava pelo ar. Um deles estancou no meio do caminho, estendeu o braço e, com dedo em riste, apontou para uma morada há mais ou menos uns duzentos metros de distância. O outro anjo balançou a cabeça positivamente e retomou os passos.
Uma jovem de cabelos negríssimos se curvava sobre um poço. Os anjos a avistaram e logo deduziram que fosse uma das filhas de Ló. Quando notou a presença dos dois, a jovem trouxe para perto de si o jarro de barro, derramando sobre o corpo um pouco da água apanhada. Como um animal arisco, atravessou rapidamente o poço e adentrou sua residência.
Não demorou muito para que um homem aparecesse no limiar da porta, atônito. Enquanto via os dois anjos se aproximarem, afagava distraidamente os pelos de sua farta barba grisalha. Às suas costas, a jovem do poço, acompanhada da irmã menor, secava a roupa molhada.
- Deus seja louvado! – murmurou Ló quando se deu conta de que aqueles dois forasteiros eram anjos enviados pelo Senhor.
Não tardou em Ló e sua família darem passagem aos anjos, deixando-os adentrarem em sua moradia. Ele ordenou que as filhas trouxessem a água mais fresca, as frutas mais carnudas e o cabrito de carne mais suculenta para oferecer aos anjos. Apesar disso, os enviados do Senhor recusaram educadamente os presentes, alegando terem assuntos devera importantes a tratar com ele.
- Ló, o Pai destruirá esta cidade – disse o primeiro anjo.
- Vai derramar sobre Sodoma fogo do céu – completou o segundo.
A esposa de Ló, que havia acabado de chegar e encostava-se à parede para melhor ouvir o que os anjos diziam, agarrou-se às duas filhas e se pôs a tremer. A mulher fitou seu esposo no fundo dos olhos, como se quisesse arrancar deles alguma resposta, e então se entregou aos soluços de desespero.
- Deus disse que não há dez pessoas por aqui que valha a pena salvar – continuou o segundo anjo em tom solene - Achou melhor destruir tudo e acabar de vez com a sem-vergonhice dos sodomitas.
- Mas e nossas filhas, Ló? – questionou a esposa à beira de um ataque dos nervos, toda trêmula e ofegante, quase sem ar de tanto chorar.
- Obedeço as ordens do Senhor, mas... – Ló começou a falar, mas parou, como se montasse mentalmente a frase que ia dizer, escolhendo meticulosamente cada palavra - As minhas duas filhas estão prometidas. São homens de bem e não praticam a pederastia! Os únicos homens de bem que encontramos em Sodoma.
Os anjos se entreolharam e ficaram em silêncio por um tempo. Cochicharam entre si e logo depois o primeiro anjo respondeu:
- Então vá avisá-los, Ló, sobrinho de Abraão, que o fim dessas terras está próximo. O Senhor Todo Poderoso ordenou para que salvássemos apenas você e sua família, mas como nos falou que seus futuros genros são pessoas boas, garantimos a salvação deles também.
Ló, então, ergueu-se de onde estava sentado e apanhou seu cajado. Enquanto as filhas vestiam no pai uma túnica grossa para lhe proteger do frio que crescia conforme a noite vinha, a esposa andava de um lado para o outro da casa, sem saber o que fazer. O segundo anjo ameaçou matá-la caso não parasse com aquilo, pois o deixava muitíssimo irritado.
- Vá logo e não demore, Ló! – exclamou o segundo anjo olhando com fúria para a esposa ensandecida – Pouca paciência tenho para com sua mulher, e temos prazos a cumprir. Amanhã cedo o fogo há de cair em Sodoma. Portanto, não demore, Ló.


 
(continua)

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