A perseguição


Percebeu que estava bêbado demais quando tropeçou numa pedra que não existia no meio do caminho. O gosto amargo não saía da boca, nem mesmo com as consecutivas cuspidas lançadas ao chão. Esqueceu-se do cigarro aceso entre os dedos, deixando-o queimar até as cinzas caírem sozinhas com algum movimento do corpo.
Pouco iluminada era aquela rua vazia, que se estendia até uma praça perdida em escuridão. O que se via com algum detalhe era por causa da lua que trazia claridade. O bêbado tinha o medo aprisionado pelo álcool, mas em seu estado normal teria algum receio em passar tão tarde por aquelas bandas. Desbravava os buracos e o lixo nas calçadas num trotear cambaleante, que entregava seu atordoado estado de lucidez.
Já tinha perdido a bituca quando decidiu das um trago no cigarro. Virou-se numa tentativas resignada de encontrar o que havia caído em algum lugar, mesmo tendo certeza de que aquilo seria completamente em vão. Nisso, notou do outro lado da rua. A vista embaraçada permitiu-lhe ver pouco, mas o que vira foi o bastante para perceber que estava sendo seguido.
Andava devagar, e a sombra parecia acompanha-lo em seu caminhar. Até mesmo seus tropeços eram seguidos à risca. Tratou de acelerar o passo, o que foi seguido pela sombra com a perfeição de um mímico imitador. Quando parava, o outro também parava. O pior de tudo era que sentia-se vigiado por olhos ocultos pelas sombras.
Para ele, não havia dúvidas de que se tratava de um assalto e, apesar de ter certeza daquilo, não entendia muito bem o motivo da sombra ainda não ter atravessado a rua. Talvez, pensou, estivesse se preparando para o bote. Sentia que não poderia correr, pois o assaltante, que provavelmente não estava bêbado, não tardaria em alcança-lo e ser atacado pelas costas não seria uma boa ideia.
Ao ver um pedregulho no meio da calçada, não pensou duas vezes e apanhá-lo do chão. Antes de atacá-lo primeiro do que esperar o assalto se concretizar, foi o que pensou o bêbado quando atravessou a rua com ambas as mãos erguidas a segurar a pedra. Tinha medo de sangue e fechou os olhos para não ver o estrago que iria fazer. Segundos depois do pedregulho ter sido lançado, ouviu-se o estilhaço de vidro se partindo. Quando abriu os olhos, fitou uma série de cacos de um espelho que refletia seu semblante pálido e um par de olhos assustados. Foi acordado daquela espécie de transe com o ruído estridente da sirene de um alarme. Estava diante de uma agência bancária, mais especificamente em frente a uma parede espelhada.
O homem que o perseguia não era nada mais, nada menos do que si próprio, assustado com sua sombra em movimento. Olhou para os lados e viu somente um cão amedrontado com o ruído do alarme do sistema de segurança da agência bancária. Não tardaria em viaturas cintilantes estacionarem no meio da rua e ordenarem ela a erguer as mãos e se render.  Correu até suas pernas cansarem.

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