Esse bosque tão amigo
Pedaço de São Paulo
antigo
Na saída pro interior
É um pouco de poesia
Na luta do dia-a-dia
Em busca de paz e calor
Em meio a tanta beleza
As cores da natureza
E o canto livre dos
pardais
Estudar e
trabalhar na Barra Funda me propicia ter uma relação muito forte e quase que
inevitável com o bairro. Minha jornada rotineira se principia no Jaçanã, onde
moro, localizado na Zona Norte da cidade, quase uma hora de distância da Barra
Funda (na Zona Oeste), contando com o ônibus, o metrô e o trânsito caótico de
toda santa manhã.

O parque
também possui um espaço de ginástica para os idosos, um pouco acima das fontes
quase sempre desligadas. Pode-se ver crianças e adultos empoleirados na mureta
de segurança a contemplar as gordas carpas multicoloridas que vivem com algum
tédio naquelas águas escuras. Um espaço de leitura é utilizado pelas pessoas
com o fim de descansarem, ou conversarem, ou fazerem qualquer outra coisa que
não seja a leitura propriamente dita. Alguns casarões são em estilo normando, e
possuem vitrais do portal de entrada, em estilo art déco. Eles abrigam, além da
administração do parque, os Escritórios de Desenvolvimento Rural de São Paulo
(EDR), e o de Defesa Agropecuária de São Paulo (EDA), além do Instituto de
Pesca (IP).
Em determinada
ala na região, há espaço para feiras e diversos eventos que acontecem com
alguma frequência. Já foram recebidos eventos de agronomia, exposições com
artesanatos típicos e até uma feira mística. Um grande haras serve para
admiradores de cavalos e hipismo terem contato com esses animais, que são todos
de raça. Encontrei recentemente um conhecido de rodas de maconha que havia
conseguido um emprego na administração do parque. Ele atuava num centro de
inseminação artificial mantido no local, onde uma considerável quantidade de
esperma de Mangalargas, Cavalos Árabes e Appaloosas, estocada em recinto
apropriado, disponível para criadores de cavalo de raça. Quanto ao seu ofício,
meu colega afirmou: “Meu trabalho é uma porra”.

Quanto a fauna
e a flora que existem no parque, não é difícil de encontrar galinhas a ciscar
entre figueiras, pombos empoleirados em palmeiras e sabiás perdidos em algum pé
de bambu. Esses animais são tratados quase sempre pelas pessoas que frequentam
o parque. Um homem por volta dos 40 anos passa religiosamente pelo espaço do
piquenique, onde ficam as galinhas e os pombos, e deposita pão, milho e outros
alimentos para os animais. Com seu boné azul e o costumeiro suéter
quadriculado, diariamente ele interrompe sua caminhada matinal e dá atenção aos
pássaros alvoroçados, que se digladiam a todo o momento por um único grão ou
farelo. São comuns os atasques das aves,
principalmente de galos abusados, contra as pessoas que almoçam no local. Um
grupo de faxineiras teve de abandonar a mesa e todos os seus pertences e
esperar que a aglomeração de pássaros famintos se dissipasse. Outra vez um
menino comia pastel quando, uma a uma, as galinhas subiram na mesa e iniciaram
uma série de bicadas na tentativa de arrancar um naco que fosse da massa.
Não é possível
determinar uma faixa etária sobre os frequentadores do parque da Água Branca. É
numerosa a quantidade de idosos que fazem cooper todas as manhãs. Se não
correm, apenas passeiam em silêncio e aproveitam a tranquilidade do lugar.
Todos os dias as escolas particulares dos arredores fazem piqueniques com salas
inteiras de crianças ainda do ensino fundamental. Elas comem, gritam e chutam
os pombos, enquanto alguma professora velha disserta sobre a importância da
coleta seletiva, sem muito efeito. Alguns estudantes da Universidade Nove de
Julho – e aqui me incluo nesse grupo – passam o tempo depois das aulas
estudando ou passando lições a limpo. Apesar disso, não são tão frequentes
quanto as pessoas que trabalham em alguma empresa pelos arredores e passam pelo
parque na pausa do expediente. Com crachá e roupa social, fumam e conversam até
a hora de voltarem para as obrigações.
Assim acontece
com Juliano, Selma e Ricardo, que trabalham numa empresa de contabilidade perto
da estação de metrô. “A gente vem de vez em quando aqui, depois que a gente
almoça. Às vezes alguém tem um baseado e a gente fuma”, disse Selma com seus
pouco mais de 25 anos. O trio possui uma hora de almoço e a gasta, algumas
vezes, jogando truco. “É normal a gente chegar atrasado no serviço, porque a
gente fica chapadão, esquece de tudo, nem vê a hora passar”, declarou Ricardo
enquanto preparava um baseado, olhando sorrateiramente para os lados para se
certificar de que não havia a presença de nenhum policial ou segurança por
perto. Perguntei se eles haviam sido expulsos do parque por conta da maconha.
“Uma vez só”, respondeu Juliano. “Mas foi de boa. O guardinha pediu pra gente
sair do parque e ameaçou chamar a polícia da próxima vez, mas isso nunca
acontece, né?”.
Dona Vilma,
septuagenária, faz caminhadas todos os dias no parque. Para encontrá-la, basta
passar pela Praça do Idoso e vê-la pedalar um dos mais de 21 aparelhos de
exercícios. Ela passa quase duas horas da sua manhã praticando atividades
físicas, acorda às seis da manhã com uma disponibilidade que eu, com meus 20
anos, não possuo mais. “A gente que é velho tem mais garra do que vocês que são
jovens”, admitiu dona Vilma com certo tom de ironia. É frequentando todos os
dias o parque da Água Branca e tendo um olhar um pouco mais apurado, que percebe-se
de que dona Vilma tem toda a razão. É absurdo o número de pessoas acima dos 60
anos que fazem caminhada ou praticam algum tipo de esporte, se comparado a
quantidade de jovens.

Quase nada
muda, apesar de tudo. Nos mais de três anos de universidade, quase todos eles a
visitar o parque diariamente, mudanças são difíceis de serem notadas. O parque
da Água Branca, no ano de 2011, passou por obras de revitalização financiadas
pelo Governo do Estado de São Paulo, orçadas em mais de R$ 12 milhões de reais.
As melhorias se deram na infraestrutura, tanto nos espaços para caminhadas
quanto nas construções de arquitetura antiga. O barulho de britadeira não foi
suficiente para ocultar a cantoria dos galos, muito menos os entulhos foram
empecilho para os frequentadores. As pessoas continuaram a ir ao parque para
fumar maconha, para jogar truco, estudar, praticar atividades físicas,
trabalhar ou simplesmente para passarem o tempo. E as pessoas, tenho a
impressão, continuarão a fazer isso por muito tempo, até que não exista mais o
parque ou até quando alguém explodir ele. O parque da Água Branca pode até não
ser o melhor parque de São Paulo – não me convém classificar os parques da
cidade, já que são muitos e minha paciência é limitada -, ou talvez ser o menos
interessante, mas isso não deturpa a existência do parque como um local público
e que, devido a isso, é sujeito a abrigar qualquer tipo de gente. Isso pode ser
considerado, sim, em qualquer lugar do mundo onde haja seres humanos, mas é
justamente por eu ter a oportunidade de vivenciá-lo com mais afinco que o torna
tão característico pra mim. É nesse parque que guardo muito de minhas
recordações com pessoas queridas, e é nele que posso ter a certeza de que
sempre acharei um lugar para me encontrar quando estiver perdido. Pode passar o
tempo que for, isso sempre será assim.
(22/05/2012)
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