Aurora Encardida (pt. 2)

Ela quase me puxou pra dentro do boteco. Tinha um cheiro danado de cigarro, e mofo também. Havia uns homens de bigode e chapéu. Havia também muitas putas acariciando seus fregueses. Um garçom com cara de derrotado limpava com devoção umas canecas de chopp. Nos sentamos numa mesa ao lado do banheiro masculino. Era um local estratégico, segundo Glória.
- Dá dois martinis, Maneco!
- Eu quero uma cerveja mesmo.
- Então vê uma cerveja e um uísque.
- Ué, você não ia pedir martini?
- Mudei de ideia.
O tal do Maneco chegou com sua cara de derrotado. Despejou em um copo muito limpo o uísque de Glória e depois me serviu a cerveja.
- Vamos brindar?
- Brindar ao que? A quem?
Pensei. Pensei na vida de Glória, com todas as suas pedras e espinhos, comendo diariamente o pão que o diabo amassou. Pensei na minha própria vida e percebi que não se diferenciava muito da dela. Nós dois, ali naquela mesa, não tínhamos nada a brindar. Dois coitados. Dois nadas.
Dei o primeiro gole.
- Ei! A gente nem brindou!
- Não temos o que brindar. Só temos que beber e já era.
Glória fez careta depois de dar uma golada no uísque. Seu copo era pequeno, mas Maneco pareceu ter caprichado na dose. Olhou o lugar de cabo a rabo e ficou mexendo nos cubos de gelo que boiavam, bobos, dentro do copo.
- É assim que se faz.
Prestei atenção em Glória. Fazer o quê? Ela não me olhava, parecia que não queria me mostrar coisa alguma. Continuou com o dedo indicador brincando com o gelo até que tirou-o. enfiou o dedo na boca e ficou o chupando.E
Não demorou quatro minutos para que um homem parasse do lado da nossa mesa. Estava muito bêbado, mas era um homem bem apessoado, até. Tinha os cabelos um pouco bagunçados, a barba por fazer, jaquetão roto.
Glória limpou o dedo num guardanapo. Disse:
- A madrugada tá terminando, menino. Que triste, né?
- Quer prolongar? – perguntou o homem colocando seu copo de cerveja em nossa mesa. Ficou em silêncio, puxou uma cadeira e ficou olhando Glória.
E Glória nada dizia, para meu incômodo. Havia arranjado um freguês, e eu ali, de vela ou sei lá o quê. Olhei pro copo. Na metade. Planejava sair dali, me despedir logo quando terminasse aquele copo.
O homem cochichou alguma coisa ao pé do ouvido de Glória. Ela meneou a cabeça e seus cabelos balançaram. Olhou pra mim, como que pedindo desculpas, e falou:
- Quer me esperar aqui, queridinho? Não sei se vou demorar. É que adorei te conhecer. Fica mais um pouquinho?
Fiquei. Glória saiu primeiro, o homem foi depois. Saíram como se nunca tivessem se visto na vida. Era sempre daquele jeito. E eu olhando aquela cena, os dois indo, dois estranhos, e depois olhei pro meu copo, e depois olhei pro lugar à minha frente, vazio. Os dois se foram. Não adiantava olhar diversas vezes para trás. Ela demoraria. Quanto?
O tempo escorregava. Olhei para o relógio, quase cinco da manhã. Eu não sentia sono algum. Também não sentia vontade de beber aquela cerveja nem nada. Bebia automaticamente como um robô. Eu me lamentava de ter feito amizade com aquela puta que me deixou sozinho pra chupar. Mas era o ofício dela, eu tinha que entender. Mas naquele momento eu não queria entender nada. Porra nenhuma. Eu só vi quando ele entrou no bar. Ele, o menino da boate.

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