A sinfonia dos homens de cinza*

Pela pequena janela do barraco, o menino Vítor viu as luzes vermelhas. Entendeu o motivo de tanta agitação. As velhas deixaram as roupas no varal, as outras crianças não chamaram os cachorros pra dentro de casa, os homens abandonaram os copos de cerveja na mesa do boteco. Era de noite quando as viaturas penetraram a escuridão do morro com violenta rapidez. Vítor viu os homens de cinza e suas metralhadoras de aço, e viu além de suas fardas pesadas o descaso que impregnava suas almas.
Não era preciso estar lá embaixo pra saber do que acontecia. O barulho que rompeu o silêncio não era mais do rap tocando nas vielas. Um ruído que, apesar de rotineiro, Vítor não conseguia se acostumar e não via motivo para estar ali, sendo trilha sonora de sua comunidade. Daquela vez, nem um único grito conseguiu ouvir. Apenas os tiros e nada mais.
Os portões eram trancados, as portas eram batidas, as janelas escancaradas se fecharam. Quatro viaturas subiram uma ladeira e sumiram entre as ruazinhas apertadas. Por um momento, Vítor pensou que tinham ido embora, mas os tiros que não cessaram perpetuaram a certeza de que ainda estavam ali. A polícia era a única presença de vida nas ruas abandonadas. Quem teve medo da morte, já estava dentro de casa.
Vítor não fechou as janelas do seu barraco, pois não teve tempo. Não era a falta de medo da morte ou excesso de coragem. O tiro que derrubou seu corpo foi um tiro perdido, assim como seu corpo que, analisado pela polícia decepcionada por não ter matado bandido, caído dentro da própria casa, era apenas estorvo. O menino conseguiu, antes de fechar os olhos, olhar pra fora da janela o céu escuro. Os tiros cessaram, o silêncio reinou. A favela estava em paz.








*O texto é resultado de uma atividade pra matéria de Jornalismo Interpretativo na universidade onde estudo

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