Cinco poesias sobre aids

Obra sem título (1985) que faz parte do Catálogo Raisonné de Leonilson (Foto: Romulo Fialdini)

276

Eu não sei o que
meu corpo abriga
nessas noites quentes de verão
nessas noites frias de inverno
nessas tardes tristes de outono
nessas manhãs coloridas de primavera.

Eu não sei o que
meu corpo carrega
mas sei que derrete como
vela
e reverbera em timbres roucos
no quarto desarrumado
em que deitei
afundo
no fundo do peito
de janelas abertas
tão perto e incerto.

Sem fim.

(21/09/2013) 

-----------------

Sem título

meu sangue é só.
corre debaixo
da pele que
tem febre.
entranha e
inunda a carne,
o cerne do silêncio,
dos anticorpos até
os destroços do tempo.
meu sangue é só.

(03/07/2017)

-----------------

Guerra

para E.M.D.

Nosso amor tem
perfume de látex 
e está na ponta
dos meus dedos
e poros minados.

Em minha boca
o ferro, amargo,
do sangue.

Te recolho
dentro de mim
- o eco das coisas
não ditas
grita,
fuzila.

(faço pinturas rupestres
com teu suor
nas cavernas da memória)

Minha solidão é trincheira
numa guerra perdida.

(09/11/2017)

-----------------

Sem título

(Me enterrem 
ao som de
All Through the Night
da Cyndi Lauper)

bebe em copo
trincado
a dádiva da desgraça

entre os dedos
e unhas roídas
o tremor de tudo
aquilo que acaba

na boca
a fragilidade dos dias
na garganta
a tepidez da raiva

esconde no soluço
o berro
o ferro
a antiga verdade
ainda súbita

e deixa secar a esperança
atrás da porta
junto à toalha
úmida

(02/03/2018)

-----------------

Efavirenz

na cabeça a
palavra é
parto

não dá pra fazer
poesia
com esse enjoo do
caralho.

(01/04/2018)

Um comentário:

Adriana Bertini disse...

Amo! Quero ler mais!!!!!