Encontro



Ao pisar da calçada, sentiu o vento frio invadir suas roupas. Afundou as mãos nos bolsos do casaco enquanto assistia o ônibus se distanciar paulatinamente. Não precisou olhar para os lados para se dar conta de que estava sozinho na rua. O silêncio era pesadamente presente. Um silêncio existente apenas na inexistência de qualquer presença humana.

Sacou o celular. A luz do aparelho iluminou seu rosto, deixando-o ainda mais pálido. Olhou para a placa azul no poste: sim, o endereço estava correto. O relógio já marcava quase meia noite. Ele não demoraria a chegar.

Esperou. Durante quinze longos minutos viu passar apenas três carros e uma moto barulhenta. Um cão sarnento e esquelético rasgava com sofreguidão o plástico dos sacos de lixo à procura do que comer.

Ao longe, mais um carro. Ao contrário dos demais, aquele mantinha a velocidade lenta. Parecia, tal qual o cão, procurar algo. Parou. Nas entranhas do silêncio, o ruído dos vidros automáticos descendo. A luz alaranjada dos postes deu um ar funesto ao semblante que surgira do interior do veículo. Um homem de meia idade segurava firmemente com uma das mãos o volante.

- Me desculpe o atraso.
- Você é o Antônio?
- Sou eu. Entra aí.

Hesitou. Naquele instante um arrependimento se apossou de si. Sentimento, aquele, que perduraria até algum tempo depois. Não podia voltar atrás. Não queria, no fundo, no fundo. Algo dentro de si o empurrava para o desconhecido. Sentiu-se estranho ao abrir a porta do carro. Não olhou para os lados antes de entrar.

O interior do veículo lhe trouxe conforto, livrando-o do frio da rua. Antônio continuava a segurar o volante, tenso, os dedos rijos para disfarçar o nervosismo. Perguntou:

- Qual é o seu nome mesmo?
- Danilo.
- Isso. Danilo.

O carro partiu. Antônio não olhava para os lados. Danilo não conseguia tirar os olhos de seus próprios pés. Havia no interior do veículo um cheiro de perfume amadeirado. Olhou de soslaio para o motorista e encontrou em sua face redonda um farto bigode milimetricamente aparado. Aos poucos foi descobrindo outros detalhes do desconhecido: uma marca acastanhada no lado direito do pescoço, um anel grosso em forma de caveira no dedo mindinho, uma cicatriz em formato de meia lua na têmpora direita.

- Eu conheço um lugar tranquilo por aqui perto – comentou Antônio sem tirar os olhos do volante – Se eu pudesse te levava em casa. Mas.
- Sua esposa. Seus filhos.
- É.

Um silencio incômodo se instalara entre os dois homens. Danilo fingia digitar algo no celular, enquanto Antônio fingia não se preocupar com nada além da direção do veículo. Entre ambos, um laço invisível que afasta mas que, ao mesmo tempo, os unia.

Danilo, então, se aventurou mais uma vez a investigar o desconhecido. Olhou para suas coxas e notou o volume que se formava entre as pernas. Enfiou o celular no bolso, estalou os dedos para afastar o nervosismo, e então delicadamente aproximou-se. Antônio estremeceu. Havia desconforto em seu corpo, mas também um desejo oculto.

O carro estacionou em uma rua pouco iluminada, debaixo de uma árvore. Antônio desligou o veículo e então o desconfortável silêncio foi substituído pelo farfalhar das folhas. Não havia o que temer. Ninguém os encontraria ali. Ninguém.

Antônio esparramou o corpo no banco, sentindo-se à vontade. Como quem toca pela primeira vez um objeto desconhecido, apalpou os cabelos de Danilo. Macios. Cheiravam a xampu. Conduziu a cabeça do rapaz em direção às suas coxas.

Danilo ergueu a cabeça em direção à boca de Antônio, que vacilou. Se olharam por alguns eternos segundos. Danilo perguntou:

- Você não gosta de beijo?

Antônio não respondeu. Virou o rosto em direção à janela, contemplando a escuridão da rua, como se procurasse nela alguma resposta. Continuou:

- Você parece tenso. Não prefere conversar um pouco, Antônio?
- Não tenho muito tempo, sabe.
- Mas eu tenho todo o tempo do mundo. Quero muito te ouvir.
- O que você quer ouvir?
- Não sei. O que você tem para falar?
- Não tenho nada para falar. Vamos logo com isso.

Antônio puxou a cabeça de Danilo novamente para seu colo. Danilo recuou. Antônio o olhou, atônito, sem entender. Não conseguia encontrar nos olhos dele nenhuma resposta para aquela atitude. Ficaram se olhando até Antônio, já sem paciência, dizer:

- Ok. Vamos embora. Vou te deixar no ponto de ônibus.
- Não, não vamos.

Outro silêncio. O sorriso de Danilo parecia vir de algum passado longínquo. Talvez da infância. Talvez do útero de sua mãe. Antônio experimentou um medo nunca antes experimentado. Danilo ergueu a mão e, como se empunhasse uma faca invisível, golpeou o volante. O ruído da buzina rasgou a tranquilidade do mundo. Perfurou as entranhas do silêncio. Triturou a calmaria da escuridão. A buzina chacoalhou o espírito de Antônio. Antônio não estava mais ali. Estava em qualquer lugar entre o indizível e o desejo, em um lugar praticamente inabitável, onde apenas poucos conseguiam chegar. Antônio era qualquer coisa entre o ser e o não ser. Era um misto de brancura e escuridão, de ardência e sopro gélido. Afundava no profundo mar das coisas inexplicáveis.

Emergiu. Sentiu uma mão tocar-lhe o ombro. Recuperou o ar que lhe faltava e olhou para os lados, à procura de ajuda. Encontrou os olhos da esposa, vermelhos de cansaço. A mulher se enrolou numa camisola finíssima e depois acariciou os cabelos grisalhos do marido.

- Larga esse celular e vem dormir, Antônio. Já é tarde.

Ela, então, pé ante pé, desapareceu na escuridão do quarto. Antônio olhou para as próprias mãos trêmulas. Suava frio. No aparelho, a foto da família como plano de fundo. Ele, a esposa e os dois filhos ainda pequenos. Duas crianças adoráveis. Uma família adorável. Uma vida adorável.

Antônio desbloqueou o celular. A foto da família foi substituída pela tela preta e laranja do aplicativo. Na foto, um rosto bonito, jovem, um par de olhos castanhos, uma boca perfeita para encantos carnais. Danilo, 23 anos. Uma mensagem não lida. Antônio tocou a tela do celular. A mensagem apareceu.

- Meia noite. Combinado. Beijos e até amanhã.

Antônio limpou um filete de baba que lhe escorrera pelo canto da boca e com dificuldade se levantou da poltrona. Olhou para o relógio, duas e quinze da madrugada. Colocou o relógio para despertar. Trabalharia bem cedo. Antes de se deitar pensou em excluir o seu perfil no aplicativo. Desistiu. Outro dia, quem sabe.


Um comentário:

Yehrow, Adônis, ou quem quiser eu seja. disse...

Seus contos sempre singularmente incríveis prendem a atenção, os olhos devoram-no e alimentam a alma sequiosa. É sempre um prazer te ler. Se qualquer hora e qualquer dia interessar visite adonispoesiaseprosas.blogspot.com