Segundos perdidos de uma Mão estendida

Quando a mãe depositou nas pequeninas mãos da menina algumas moedas, sentiu como que um aperto no peito ao vê-la correndo em direção ao caixa. Um homem de óculos empinado na ponta do nariz curvou-se sobre o balcão, recolhendo os trocados que a menina havia lhe entregado, virou-se como era costumado a fazer e colocou, quase que com uma suavidade melancólica, um punhado de balas nas mãos da garota. Ela apertou os dedos contra os doces e acomodou os punhos cerrados no peito, o vestido vermelho de algodão farfalhava a cada pulo de alegria enquanto que o plástico colorido das balas parecia vivo, remexendo-se em um burburinho miúdo. Ela correu para a calçada, enquanto que a mãe trocava ainda algumas palavras com a tia que fazia esforço em não deixar o chapéu ser levado pelo vento.
Ela descascou uma bala, vendo a cor rosada daquela coisa redonda e tão viva, tão doce que podia-se sentir o cheiro de longe. A bala derretia em sua língua, rebatia hora ou outra nos dentes que se seguravam para não morder o doce, e a língua virava colchão quando ela se cansava de chupar. A boca pequena parecia abrigar seres pequeninos que tentavam à qualquer custo sair daquela caverna bucal. A garota enrolava com os dedos algumas mechas do cabelo castanho e sentara-se à beirada da calçada, vendo um senhor passar de bicicleta à sua frente. Ela fingiu não se importar com aquilo, mas no fundo do seu pequeno coração de criança – que é capaz de guardar os mais belos tesouros e as mais sujas memórias – palpitava o desejo de saber andar de bicicleta, tal como aquele desconhecido. Queria sentir seus pés girando os pedais, os dedos apertando com firmeza o guidão, o vento beijando-lhe a face em êxtase.
Ouviu sua mãe gritar duas ou três vezes o seu nome. Não fez o esforço de virar o pescoço para saber o motivo do chamado, pois, à sua frente, surgindo pesadamente como se fosse tombar ao chão à qualquer instante, o ônibus surgia cada vez mais nítido, mais real; o cheiro da fumaça que saía do escapamento, os pneus que esmagavam formigas no asfalto, tudo, absolutamente tudo tornava-se mais nítido. Ergueu-se, ainda, para limpar a poeira atrás do vestido, e com alguns tapinhas desfez a sujeira em sua vestimenta. Deu alguns passos para frente, sentindo ao seu lado a respiração quente de alguma pessoa. Ia direcionando-se ao ônibus quando estendeu a mão, a pensar em sua mãe que a acompanhava pelas costas, mas, ao virar-se, contemplou, estarrecida, o rosto encardido de um menino que também havia esticado sua mão, mas esperava com certa paciência a autorização da menina para que pudesse lhe tocar o membro estendido.
Virou os olhos, vendo a figura de sua tia e mãe aproximarem-se com angústia derramando dos olhos, uma, segurando chapéu no alto da cabeça redonda, dizendo não ser aquele o ônibus que iriam pegar, e a outra, mordiscando com nervosismo a unha do dedo mindinho e com os lábios crispados. A garota voltou a olhar o menino que desistira do cumprimento e abaixara o braço, colocando as mãozinhas sujas dentro dos bolsos da calça surrada e repleta de nódoas de carvão e ferrugem. Pôde ouvir o menino pedindo uma das balas que carregava em uma das mãos, mas, talvez por medo de qualquer reação do homenzinho desconhecido, permaneceu muda a olhá-lo de esguelha, enquanto esperava silenciosamente os braços de sua mãe para lhe tirarem daquele pesadelo.

3 comentários:

Fabiano Silva disse...

Cara... muito legal.
Apesar de eu achar que você ia matar a menina atropelada...rs
Quanto ao seu comentário no meu blog, o texto faz parte de algo que estou escrevendo.

Abraços

roberyk disse...

Um suspense, ao meu ver, muito bem escrito. Também acreditei que a menina seria atropelada. Há outros detalhes que chamam muito a atenção, como a maneira como conseguiste transmitir os pensamentos da menina. Parabéns pelo excelente trabalho.

Anônimo disse...

Confesso fiquei com uma dor no coração em pensar que você iria retratar mais uma fatalidade da vida, mas, mais uma vez você surpreende!

Surpreendente igual você!

Parabéns!

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